No palco estão os excelentes atores Mateus Solano e Luís Miranda
Tive a oportunidade de conferir as duas montagens de O Mistério de Irma Vap, no início dos anos 90, direção de Marília Pêra.
Como todos sabem, Marco Nanini e Ney Latorraca ficaram 11 anos em cartaz e o espetáculo foi um sucesso estrondoso.
Depois, em 2008, Marília dirigiu Cássio Scapin e Marcelo Médici e a montagem ficou menos tempo em cartaz, mas o trabalho dos dois atores merece também aplausos.
O Mistério de Irma Vap surgiu como precursor do besteirol e, como tal, prima pelo exagero na fala, nos gestos, nas caracterizações.
O problema é que em muitos momentos Nanini e Ney exageravam demais, a graça acabava vindo muito forçada. De qualquer maneira, foi um ¨acontecimento teatral¨ e as pessoas adoravam.
Na versão de Farjalla, a trama acontece num parque de diversões e o diretor, sempre ousado, criativo e perfeccionista, e com uma assinatura marcante, jamais levaria para o palco algo que apresentasse alguma imitação das montagens anteriores.
Claro que o humor rasgado continua, porque ele respeita o gênero, mas o espetáculo está extremamente atual e traz piadas oportunas para os nossos dias - pitadas de crítica aos tempos sombrios. Tudo marcado e ensaiado, mas que ganha uma vivacidade muito grande com o competente elenco. O humor está na medida certa.
Quem acompanha o trabalho de Farjalla tem a oportunidade de assistir a trabalhos que primam pelo apuro nos mínimos detalhes.
Em Doroteia, de Nelson Rodrigues, um espetáculo que veio a São Paulo nos últimos anos, aconteceu um processo diferenciado da pesquisa, da linguagem e da proposta cênica no uso do espaço.
No formato de arena, apresentou um clima surreal, excêntrico, expressionista, com texturas, falas, entonações, simbologias e movimentações que enfatizavam o caráter mítico da obra de Nelson Rodrigues. Levava para a cena a loucura de mulheres viscerais que abafam qualquer prazer nas suas vidas, mas que, na verdade, carregam dentro de si muita libido.
Em Senhora dos Afogados, o mais recente trabalho do diretor que fez temporada na capital paulista, no Teatro Porto Seguro, o diretor colocou no palco ligações incestuosas, obsessões, pulsões arcaicas, conflitos entre o lógico e o irracional, onde todas as amarras foram rompidas e os personagens se moviam num tempo mítico. Um espetáculo intenso, recheado de signos e símbolos.
O Mistério de Irma Vap prima pela diversão e nem por isso merece menos elogios do que os seus espetáculos anteriores. É voltado para um público que aprecia comédia e traz todo o vigor de direção comum na trajetória de Farjalla.
O parque de diversões já mostra o quanto a peça busca aguçar a imaginação do espectador para a excêntrica história de Lady Enid, a nova esposa de Lord Edgar, e os demais moradores de uma residência que guarda segredos e tem habitantes, no mínimo, inusitados.
A casa é assombrada por diversos seres, que também ajudam os protagonistas nas trocas de roupas, atores sem falas e de suma importância para a condução da trama. Outro detalhe, portanto, que diferencia essa montagem das assinadas por Marília, é a presença de outros atores no palco.
A luz e a trilha são essenciais para criar o clima de suspense e em alguns momentos as músicas são executadas ao vivo. O cenário também merece menção e a inspiração para a encenação foram os filmes de terror - a obra de Alfred Hitchcock não poderia ficar de fora. O incrível clipe Thriller, de Michael Jackson, é recriado de maneira hilária pelos atores.
Muito oportuna essas referências cinematográficas, na medida em que leva para o espetáculo dinamismo, homenageia o gênero e ainda deixa a trama mais interessante.
O texto já conhecido da maioria dos espectadores, não é uma dramaturgia de grande consistência e a ideia é deixar nas mãos das interpretações dos atores o trunfo de fazer com que o texto ganhe graça. E ganha muita graça. Mateus Solano e Luís Miranda dão um show em cena.
Os atores se desdobram entre os personagens com maestria e as tão famosas trocas de roupas são na maioria das vezes realizadas na frente do público.
Entre tantos momentos, como não destacar a singela homenagem ao Nanini e Ney, num certo momento da apresentação. Detalhar (o chamado spoiler) tira do espectador a oportunidade de se deliciar com a cena ao vivo.
O foco não está necessariamente na rapidez, que já foi explorada nas montagens anteriores, mas na competência dos atores em se transformar tão rapidamente nos personagens que interpretam (e a competência de quem os ajuda nas mudanças é alta, claro).
A direção de Farjalla, entre os grandes profissionais da atualidade, deu um novo vigor a essa conhecida obra. Dizem que rir é o melhor remédio, e estamos precisando (e rir com as pitadas de crítica que a montagem possui, é melhor ainda).
Ficha Técnica
Texto: Charles Ludlam
Idealização: Andrea Francez
Direção, encenação e dramaturgia: Jorge Farjalla
Elenco: Luis Miranda, Mateus Solano, Fagundes Emanuel, Greco Trevisan, Kauan Scaldelai e Thomas Marcondes. Tradução: Simone Zucato
Assistente de direção: Raphaela Tafuri
Direção de Produção: Priscila Prade e Marco Griesi
Produção executiva: Daniella Griesi e Fernando Trauer
Direção Musical: Gilson Fukushima
Cenografia: Marco Lima
Iluminação: Cesar Pivetti
Figurinos: Karen Brusttolin
Fotografia: Priscila Prade
Comunicação Visual: Kelson Spalato e Murilo Lima
Redes Sociais: Tiago Cunha e Felipe Gonçalves: Mídia: Caio de Jesus
Assessoria Jurídica: Francez e Alonso Advogados
Produção de Elenco: Marcela Altberg
Realização: BricaBraque e TeTo Cultura
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