Dias Perfeitos é a segunda experiência de César Baptista na direção de um texto do jovem escritor Raphael Montes. Roleta Russa foi o primeiro trabalho, baseado no romance Suicidas. Duas produções teatrais realizadas em parceria com o ator e amigo Helio Souto; duas montagens com excelente receptividade do público e crítica.
Roleta Russa, vale dizer, rendeu ao diretor o Prêmio Qualidade Brasil Melhor Direção de Drama.
Roleta Russa estreou em São Paulo (outubro de 2015) e fez sucesso no Rio. Dias Perfeitos estreou na capital carioca (em março deste ano), também com sucesso, e agora está em cartaz em São Paulo.
César Baptista, que começou a sua trajetória em Santo André e depois integrou o CPT de Antunes, foi diretor assistente de Gabriel Villela em vários espetáculos e na direção solo, além dos infantis Fábulas de um Sótão e Lobato ou o Labirinto dos Sonhos texto e direção, outro destaque de sua trajetória é A Última Dança, monólogo com Natalia Gonsales.
Um artista que está traçando uma história sólida no teatro hoje e merece ter o seu trabalho conhecido por quem aprecia teatro.
-Sobre Dias Perfeitos:
O espetáculo, que fez sucesso no Rio de Janeiro, mostra o amor doentio do jovem Téo por Clarice, uma moça livre e que sonha em ser roteirista de cinema.
Téo vive um cotidiano solitário e sombrio ao lado da mãe paraplégica e na escola de medicina, dissecando cadáveres.
Ao conhecer Clarice, o seu encantamento é tão grande que ele não aceita as respostas negativas da garota às suas investidas amorosas.
A obsessão guia as suas ações. O amor paranóico o leva a atos violentos, insanos, numa relação em que a tortura psicológica, física e a sordidez imperam.
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ENTREVISTA
NANDA ROVERE - Fale um pouco da sua trajetória, CPT, Gabriel...trabalhar com estilos diversos e grandes nomes do teatro...a parceria com o Helio...
CÉSAR BAPTISTA - Bem, como você sabe, comecei no teatro em Santo André. No próximo mês de agosto, completo 30 anos de teatro. Tenho muito a agradecer a Luiz Antonio Brock, meu primeiro mestre. Me deu o teatro e me deu uma vida. Depois que ele faleceu, em 2000, tive que ir atrás de outro mestre. Por isso, procurei o Antunes, fiz teste pro Cptzinho e passei, mas ele acabou me chamando pra entrar no elenco da peça O Canto de Gregório, de Paulo Santoro. A partir daí, foram 06 anos, praticamente morando no CPT. Fui seu braço direito nesse tempo, seu assistente de direção, dei aula no Cptzinho de interpretação e dramaturgia, coordenei o Círculo de Dramaturgia do CPT, escrevia sobre seu método, tenho dezenas de cadernos com anotações de ensaios. Não é à toa que estou fazendo mestrado agora, sobre o método do Antunes. Fiz além do Canto, Antígona, Pedra do Reino, Senhora dos Afogados e ensaiei meses o Policarpo, mas saí bem antes da estreia. Antunes também mudou minha maneira de olhar para o teatro e, por conseguinte, para a vida. Acho que aprendi isso com ele: mudar a cabeça para mudar o teatro que eu fazia.
NR - Você saiu do CPT e foi trabalhar com o Gabriel Villela...
CB - Sou muito grato ao Gabriel também. Saí do CPT pra fazer Calígula, com ele. Foi uma loucura, porque saí do CPT 11h da manhã e às 14h, já estava numa mesa, com Gabriel, Thiago Lacerda, Claudio Fontana, Magali Biff, Pascoal da Conceição, Jorge Emil, Ando Camargo e Rodrigo Fregnan. O Fregnan que me deu uma segurança ali, porque a gente trabalhou junto no CPT. Mas eu me perguntava: que diabos estou fazendo aqui? Claro, o Gabriel, como sempre faz com as pessoas, me recebeu muito bem e me deixou muito à vontade. Também um mestre. Ele era muito generoso no trabalho, porque deixava os atores comigo pra eu ir trabalhando a interpretação com eles. Tinha muita confiança. Fazia isso comigo, com Ivan (de Andrade), com Cacá (Toledo), com ( Rodrigo) Audi, que foram assistentes dele também, quando eu estava com ele. Fiz isso nas cinco peças que fiz com ele: Calígula, Vestido de Noiva, Crônica da Casa Assassinada, Hécuba e Macbeth. Nesse percurso com Gabriel, fiz muitos amigos e trabalhei com muita gente bacana, como o próprio Thiago, o Marcello Antony, Vera Zimermann a Walderez, o Fernando Neves, o Dib Carneiro Neto, Rogerio Romera, Marco Furlan, Pedro Henrique Moutinho, o Pâmio, Helio Cícero e outras tantas pessoas. Durante a segunda temporada do Calígula, fiquei mais próximo do Helio Souto Jr, que entrou no lugar do Ando. O Helio foi um dos caras que me incentivou a seguir meu próprio caminho. E ele tomou a frente de montar algumas peças e me chamou pra dirigir. Fizemos o Lobato ou o Labirinto dos Sonhos, primeira peça que dirigi, de minha autoria também, depois Roleta-russa e agora Dias Perfeitos, as duas últimas, adaptações de romances do Raphael Montes. Tenho muito a agradecer ao Helio Souto Jr.
NR - Seus trabalhos são baseados em textos fortes, intensos...o que te move como diretor.
CB - O que me move como diretor é trabalhar com um texto ou escrever um texto que trate da condição humana com profundidade. O que me interessa é jogar o ser humano no caldeirão da vida, nessa natureza selvagem que todos temos dentro de nós, e ver o que acontece.
NR - No caso das adaptações dos livros do Raphael Montes. Como foi adaptar os livros para o teatro e o que mais te chama a atenção nessas obras?
CB - Foi muito difícil. Especialmente, porque eu sou um diretor que tenta não impor uma estética, antes de olhar para o material e perguntar a ele o que ele quer dizer. Há quem diga que consegue reconhecer meus traços nas peças que faço. Se isso é bom? Não sei. Eu tento ser atravessado pela obra e atravessá-la igualmente. Por isso, quando me deparei com a obra do Raphael, tive momentos de muita dúvida se o que estávamos fazendo era bom teatro ou não. Que era boa literatura eu tinha certeza, mas e teatro? A resposta é o público que tem que ter.
NR - Tanto Roleta Russa, quanto Dias Perfeitos são textos avassaladores, mas Dias Perfeitos é mais simbólicos. Fale um pouco da sua concepção de direção para esses trabalhos, especialmente Dias Perfeitos.
CB - É... a obra do Raphael lida com essa natureza selvagem, que é da condição humana e que me interessa. Em Roleta, tinha uma coisa de ser numa noite só e no mesmo espaço, o porão. Isso facilitava um pouco minha vida de diretor. Assim, pude me concentrar em burilar as interpretações dos atores, embora tivesse soluções cênicas que me agradassem muito, por causa da metalinguagem. O Raphael trabalha com isso. E eu gosto de lidar com a metalinguagem porque ela te coloca, como diz o Antunes, entre o sonho e a realidade. Em Dias Perfeitos, tinha o desafio de ser um “road movie”, de forma que a peça se passa em vários dias e em vários locais. Daí tive que sambar um pouco mais na encenação. Além da questão da violência contra mulher, que é “a” questão da peça pra mim. Eu, sendo homem, não posso reproduzir essas dores num âmbito mais realista, porque eu não sei o que é isso. Eu não passo e nunca passei por isso, certo? Então, a saída que encontrei foi tentar não ser realista nas cenas violentas, mas sempre procurando escutar e não me impor pra que a voz daquela mulher, daquela personagem, fosse ouvida. Minha direção foi uma direção de escuta dessa mulher.
NR - Para você, qual a importância de uma obra como Dias Perfeitos nos dias de hoje?
CB - Justamente nessas coisas que falei na resposta anterior. Colocar os seres humanos em uma situação limite e ver o que acontece. Mas não num sentido laboratorial, e sim num sentido de tentar entender a condição humana com o coração.
NR - Você ganhou o prêmio Qualidade Brasil como melhor diretor por Roleta Russa. Com certeza foi uma grande satisfação...Como foi para vc receber esse reconhecimento?
CB - Foi uma surpresa muito grande. Só o fato de um trabalho como esse – feito na raça - ter tido seu reconhecimento já estava bom demais, isto é, estar entre os indicados, junto com Antunes, (Marcelo) Lazzaratto, ( Eduardo) Tolentino e o Mateus, já seria um prêmio. Mas ter ganhado realmente foi uma feliz surpresa. E por votação popular, quer dizer... inesperado. Mas o verdadeiro prêmio mesmo foi o dia-a-dia do processo. Às vezes, penso que uma peça é seu processo e que as pessoas deveriam ver o processo, não a peça, seria muito melhor... rs...
NR - O teatro no Rio tem fama de superficial, mas Roleta e Dias Perfeitos fizeram sucesso por lá. né? ...e agora São Paulo...Num momento tão complicado do nosso pais o teatro está pulsante...
CB - E essa semana saíram notícias de que estão fechando uns teatros no Rio. O Leblon, não? É complexo. Não sei dizer se é isso, pois não sou de lá. O que sei é que tivemos uma recepção excelente de público e crítica lá, não em quantidade, porque não tivemos plateias lotadas, e sim em qualidade. As pessoas curtiram muito as peças. Vamos ver como vai ser com Dias aqui no Teatro Augusta. Aproveito pra agradecer o pessoal de lá, Tiago, Luciana, Isabel, Cristiano, Rodolfo a Dona Isabel, enfim, pelo auxílio e pelo trabalho todo.
NR - No que vc está de olho (na cena)?
CB - Olha, não tenho tido tempo nem de ver minhas peças, que dirá outras, mas estou na expectativa pra ver Refluxo, texto da grande Angela Ribeiro, que nasceu no Núcleo de Dramaturgia do Sesi-British Council, onde tenho a honra de trabalhar com a Marici Salomão na coordenação do projeto. A peça tem a direção do Eric Lenate, que pra mim é um grande artista. Verei na semana que vem. Por último, quero te agradecer pelo espaço e pelo carinho de sempre.
Ficha Técnica:
Romance original de: Raphael Montes
Direção e adaptação: César Baptista
Elenco: Dani Brescianini, Helio Souto Jr., Arno Afonso e Leonardo Vasconcelos
Assistentes de Direção: Diogo Pasquim e Leonardo Vasconcelos
Iluminação: Edson FM
Cenário e Figurino: Igor Alexandre Martins
Trilha Sonora: César Baptista
Serviço
Dias perfeitos (de 03 de junho até 30 de julho)
Gênero: Suspense
Quando: Sábados e domingos, às 20h
Local: Teatro Augusta (Rua Augusta, 943, Cerqueira César)
Capacidade: 304 lugares
Ingressos: R$ 60,00
Classificação: 16 anos
Duração: 100 minutos
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