Quem lê os meus textos sabe da admiração profunda que tenho pelo trabalho do diretor Gabriel Villela e pelo ator e produtor Claudio Fontana.
Acompanho as trajetórias desses grandes artistas desde as suas estreias no teatro. Uma parceria que deu origem a inúmeras pérolas cênicas, com direção de Villela. Para quem não sabe, a estreia profissional de Fontana foi no excelente Vem Buscar-me que Ainda sou teu, em 1990, com direção de Villela, e já arrebatou o prêmio como ator revelação.
Por esse motivo, escrever sobre os seus trabalhos é sempre uma responsabilidade e, ao mesmo tempo, uma tarefa jornalística importante para mostrar a riqueza do processo criativo de um diretor que acredita na arte como a salvação dos tempos sombrios e assina montagens que primam pela beleza e criatividade.
Em inúmeros espetáculos, como Boca de Ouro e um Réquiem para Antônio, para citar os mais recentes, Villela dirigiu Fontana, que além de atuar, os produziu. Em outros trabalhos, como A Tempestade e Rainhas do Orinoco, também recentes, Claudio assinou a produção.
Tivemos também Calígula, de Albert Camus, com Fontana atuando e produzindo, e que Villela dirigiu (Thiago Lacerda foi o protagonista).
Estado de Sítio é de autoria de Albert Camus, filósofo argelino que passou a maior parte de sua vida na França e, portanto, é o segundo texto de Camus que ganha os palcos na visão de Villela.
O seu #estadodesítio está entre as obras marcantes do autor, assim como A Peste (1947), O Estrangeiro (1942) e Calígula (1941).
Estado de Sítio, de 1948, faz alusão à Guerra Civil Espanhola e a consequente ascensão de Franco, que governou o país de maneira totalitária até 1975. A peste é a alegoria da ditadura de Franco, evidenciando o quanto o totalitarismo infecta o organismo social. Setenta anos se passaram e parece que Camus escreveu o texto para os dias de hoje.
Vale frisar que as suas obras não se referem à direita ou à esquerda. Ele critica qualquer forma de autoritarismo e não traz nas suas falas nenhuma doutrina. A ideia é deixar que o leitor, ou o espectador, no caso do teatro, reflita sobre os assuntos tratados.
Na trama de Estado de Sítio, que muitos estudiosos dizem ser adaptação do seu romance A Peste, tamanha a semelhança da história, uma cidade vive o autoritarismo e é assolada pela Peste...
A política do terror é um dos assuntos em pauta. A Peste chega para assolar o cotidiano dos moradores de Cádiz, na Espanha. Diz o release: ¨após os maus presságios pela passagem de um cometa, os habitantes da cidade passam a ser governados pela Peste, que depõe um governo reacionário e institui um poder arbitrário por meio da ameaça de morte. Ela instaura o Estado de Sítio e cria um regime burocrático, esvaziado de sentido. Uma cidade sitiada e uma população dividida¨.
A vida dos cidadãos é submetida ao império da Peste, que conta com o apoio de sua Secretária (A Morte). Os habitantes são obrigados a colocar na boca um tampão embebido em vinagre, para que o silêncio e a submissão permaneçam.
O sofrimento e o desespero se tornam banais e vem a tona à seguinte questão: no meio desse cenário desolador e aterrador, haveria espaço para uma "revolta" estimulada pelo amor aos seres humanos e pela liberdade?
O amor, representado através das personagens Diego e Vitória, é o que a natureza humana possui de mais nobre no combate a qualquer tipo de violência e desrespeito à liberdade do indivíduo. O Estado de Sítio, e todo o mal propagado pela Peste, é mantido pelo medo.
O cometa é a luz passageira que alerta para a transitoriedade da vida, para o perigo que está por vir... Também sinaliza que a situação política catastrófica também pode ser um período transitório - para se libertarem da Peste será preciso resistir ao medo, perdê-lo de vez.
A montagem de Villela não tem um caráter panfletário, aliás, os seus trabalhos não possuem esse viés, mas para criar Estado de Sitio o diretor não descarta o poder do texto como um alerta político. Nas suas palavras: “a riqueza dramatúrgica de Camus não se limita a um contexto histórico específico nem a um campo político delimitado, mas é um mosaico de teatralidades que nos lembra que a liberdade exige esforço coletivo e contínuo”.
Gabriel Villela traz, como sempre, a poesia e a magia na cena, e nesse trabalho o grotesco ganha força para ressaltar o horror da epidemia física e política que acomete a população de Cádiz.
O figurino tem o preto como cor básica e adereços coloridos de cabeça. Elementos esses que, juntamente ao visagismo de Claudinei Hidalgo, realçam o caráter grotesco e não realista da encenação. As fotos são o indício do quanto a produção está caprichada.
A cenografia de J. C. Serroni e a Iluminação de Domingos Quintiliano também desenham o tom sombrio das cenas, sem deixar de lado a principal característica das criações de Villela: o teatro como espaço para a discussão de assuntos importantes para a sociedade, mas onde sempre impera a poesia, a magia e a delicadeza, para que o mundo, e as discussões sobre ele, fiquem mais interessantes.
Como ponto forte e delicado das suas realizações, a música também está muito presente nessa encenação.
A trágica condição humana em Estado de Sítio coloca o homem numa realidade hostil e onde reina a falta de sentido diante de uma população perplexa.
Neste sentido, o coro trágico grego na peça de Camus aparece em momentos importantes da trama, fazendo um resumo dos acontecimentos e transmitindo as dores e os anseios de um povo que pode ser punido se fizer qualquer gesto de rebelião.
Na montagem de Villela, o coro traz arranjos polifônicos ao entoar canções revolucionárias icônicas, como Fischia il Vento, o Hino da Resistência Francesa, músicas ciganas de Goran Bregovic e outras cantadas em ladino (língua falada por comunidades judaicas originárias da Península Ibérica). A direção musical é de Babaya e Marco França.
Para a criação desse espetáculo, Villela e Fontana (este, que além de produzir - através da BF Produções - está no palco) contam com elenco e equipe de profissionais experientes, formado por artistas que já estiveram presentes em trabalhos anteriores, contribuindo para que o universo criativo de Villela ganhe sentido e encantamento.
Além dos integrantes da equipe já citados, Ivan Andrade (que acabou de dirigiu uma peça de Camus, O Mal-Entendido com temporada no Sesc Pinheiros) e Daniel Mazzarolo são os diretores assistentes e a produção executiva é de Luiz Alex. Integram o elenco: Elias Andreato, Claudio Fontana, Chico Carvalho, Arthur Faustino, Cacá Toledo, Daniel Mazzarolo, Kauê Persona, Marco França, Mariana Elisabetsky, Nathan Milléo Gualda, Pedro Inoue, Rogério Romera, Rosana Stavis e Zé Gui Bueno.
Destaque para o reencontro entre Elias Andreato e Claudio Fontana, como A Peste e A Morte, respectivamente, selando mais uma parceria entre dois grandes atores no palco. Elias Andreato e Claudio Fontana já trabalharam juntos em Esperando Godot, Um Réquiem Para Antônio, com direção de Gabriel; Édipo; Amigas, Pero no Mucho e Andaime.Todos esses foram momentos marcantes do nosso teatro, sucessos de público e crítica.
A presença de atores curitibanos, que participaram da excelente montagem Hoje é Dia de Rock, produção do Centro Cultural Teatro Guaíra - que contou com a direção de Villela no ano passado - também merece atenção especial: Arthur Faustino, Kauê Persona, Nathan Milléo Gualda, Pedro Inoue, Rosana Stavis.
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Ficha Técnica
Texto: Albert Camus. Tradução: Alcione Araújo e Pedro Hussak. Adaptação e Figurinos: Gabriel Villela. Elenco: Elias Andreato, Claudio Fontana, Chico Carvalho, Arthur Faustino, Cacá Toledo, Daniel Mazzarolo, Kauê Persona, Marco França, Mariana Elisabetsky, Nathan Milléo Gualda, Pedro Inoue, Rogério Romera, Rosana Stavis e Zé Gui Bueno. Cenografia: J C Serroni Iluminação: Domingos Quintiliano. Direção Musical: Babaya e Marco França Diretores assistentes: Ivan Andrade e Daniel Mazzarolo. Foto: João Caldas Fº. Produção executiva: Luiz Alex Tasso. Direção de Produção: Claudio Fontana.
Serviço:
Estado de Sítio
Com direção de Gabriel Villela
Do dia 8 de novembro a 16 de dezembro, quinta a sábado às 21h, domingos e feriados às 18h
Local: Teatro
Não recomendável para menores de 14 anos
R$ 12 (Credencial Plena) l R$ 20 (meia entrada) l R$ 40 (Credencial de Atividades e não credenciado)
Sesc Vila Mariana | Informações
Bilheteria: Terça a sexta-feira, das 9h às 21h30; sábado, das 10h às 21h; domingo e feriado, das 10h às 18h30 (ingressos à venda em todas as unidades do Sesc).
Horário de funcionamento da Unidade: Terça a sexta, das 7h às 21h30; sábado, das 9h às 21h; e domingo e feriado, das 9h às 18h30.
Central de Atendimento (Piso Superior – Torre A): Terça a sexta-feira, das 9h às 20h30; sábado, domingo e feriado, das 10h às 18h30.
Estacionamento: R$ 5,50 a primeira hora + R$ 2,00 a hora adicional (Credencial Plena: trabalhador no comércio de bens, serviços e turismo matriculado no Sesc e dependentes).
R$ 12 a primeira hora + R$ 3,00 a hora adicional (outros). 111 vagas.
SE VC AINDA NÃO ESTÁ NA comunidade GABRIEL VILLELA, que tal participar?
https://www.facebook.com/groups/133795370015657
Obs: As fotos são de João Caldas, retiradas das postagens de Claudio Fontana e da Assessoria de Imprensa
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