A Semana de Arte Moderna de 1922 sob o olhar do projeto Rolê 22
O Rolê 22 é composto por três encontros durante o primeiro semestre deste ano para celebrar o legado cultural deixado pelos povos indígenas e afro-brasileiros.
O objetivo é reunir personalidades para debater e valorizar fazeres e saberes locais num país em que a herança colonialista ocasiona desrespeito e invasão de territórios por parte dos donos do poder, ou por parte de quem tem o apoio de lideranças políticas.
Participam do evento: Auá Mendes (indígena do Povo Mura, artista, Manauara); Jaíra Potï (artista da etnia Potiguara e gestora cultural); Edgar Kanaykõ Xakriabá (mestre em Antropologia pela UFMG, do povo indígena Xakriabá - MG); Kaê Guajajara (artivista indígena, engajadora da MPO - Música Popular Originária); Itamirim (atriz e cantora, morubixaba na Aldeia Tabaçu Reko Ypy - SP) e Juão Nyn (multiartista potiguar(a), ativista comunicador do movimento Indígena do RN)
PARA SABER MAIS:
http://www.deolhonacena.com.br/index.php?pg=4cb&sub=710#linha
ENTREVISTA
Nanda Rovere - Como surgiu a ideia do projeto?
Rolê 22 - Surgiu em 2019, quando o então Secretário de Cultura da época, Alê Youssef, iniciou as ações - e investimentos - para o centenário que aconteceria três anos depois. Isso gerou uma profunda reflexão sobre quando, quanto e para quem são destinados os recursos públicos, especialmente no segmento da cultura e das artes. Há seis meses uma série de artistas afrodescendentes estão esperando o pagamento pela realização da FLICO, a única festa literária preta da cidade, foi aberto um processo indenizatório para receber da atual gestão da Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo e ainda nenhum centavo foi repassado. O projeto não nasceu de uma ideia, mas da revolta e indignação, não com esta ou aquela gestão e sim com a estrutura que se mantém firme há séculos nos excluindo dos espaços institucionais de produção de conhecimento.
NR - Qual a sua definição para a semana de 22, e o seu legado?
R22 - Um evento sociocultural e político, onde a elite “moderna” se contrapôs à elite “tradicional”. Um ato legítimo e necessário em qualquer tempo. Foi uma disputa no campo do simbólico que inspirou, sem dúvida, diversos artistas, esse foi seu legado. Assim como diversos outros eventos ocorridos antes e depois de 1922, que ainda inspiram e não recebem tantas honrarias e destaque. No campo cultural, o poder diz respeito à disputa pela autoridade, pela legitimidade, pela autenticidade e pelo domínio dos signos, dos sentidos, das interpretações. Como mencionei, foi uma disputa no campo do simbólico e continua sendo.
NR - Sabemos (ou devíamos saber) das heranças dos povos indígenas e africanos, mas quais você destaca e que serão o foco do evento?
R22 - Sabemos mesmo? As heranças deixadas pelos nossos ancestrais foram e continuam sendo cinicamente expropriadas. Sabemos que o chimarrão é um hábito legado pelas culturas indígenas quínchas, aimarás e guaranis? Sabemos que as festas juninas, tradicionalmente associadas aos santos católicos é uma festa indígena? Sabemos que grande parte dos escravos africanos pertenciam a grupos que tinham conhecimentos técnicos avançados, pois faziam parte de uma cultura de especialistas? O foco do evento é conjugar a história dos povos tradicionais do Brasil no tempo presente.
NR - Como ocorreu a escolha dos participantes. Fale um pouco sobre eles e o que o público terá como foco de reflexão.
R22 - São 13 convidados e mais três atrações artísticas. Falar sobre cada um deles tomaria algumas muitas páginas, o que posso dizer é que foram escolhidos pela sua atuação ativa nas discussões e debates sobre decolonialidade. O foco da discussão é que precisamos existir coletivamente, precisamos silenciar, escutar e cuidar, não apenas uns dos outros, mas do planeta. O Rolê 22 não é sobre seres humanos, mas sobre seres vivos.
NR - Qual a importância desse encontro nesses tempos sombrios?
R22 - Ficar muito tempo exposto ao sol também é um problema. A sombra é necessária, a escuridão é necessária. Encontros são necessários em tempos sombrios ou ensolarados. Na colheita não podemos esquecer do plantio. A proposta é essa: não nos perdemos no rolê. Sozinhos vamos mais rápido, juntos vamos mais longe.
NR - Como funciona a plataforma Tranzborde e como participar da mesma?
Rolê 22 - A plataforma Tranzborde foi um feliz encontro do Rolê 22. Estamos nos fortalecendo mutuamente, porque estamos falando sobre a mesma coisa: sermos diversas. Yaga Goya é produtora e social media no Rolê 22 e esse encontro se deu devido à essa parceria. Núclea de Pesquiza Tranzborde é uma plataforma para que artistas que não ocupam o centro das narrativas hegemônicas possam desenvolver suas pesquisas. Assim essa núclea se autodefine.
NR - Além da parceria com a plataforma realizam outras ações?
R22- Sim e muito importante! No site www.role22.com.br está aberta inscrição gratuita para o curso de Formação de ARTivistas Culturais, para pessoas que estejam interessadas a entender melhor como funciona o mundo da produção cultural. A formação é voltada para interessado(es) que desejam desenvolver projetos em suas comunidades. Se você tem um projeto cultural para a coletividade o curso é para você. Há cotas para pessoas brancas e não periféricas, desde que o projeto a ser desenvolvido nessa encubadora seja voltado para aqueles que não ocupam o centro das narrativas hegemônicas.
NR - Caso queira acrescentar mais informações fique à vontade.
R22 - O Rolê 22 é sobre todes nós parentes, da mesma raça humana ou não. É sobre estar juntes, é sobre estar sozinho. É sobre respeito. Bora? A fogueira já está queimando…
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