Sessões on-line, gratuitas e ao vivo, pela plataforma Sympla. Tradução, adaptação e produção de Claudio Fontana
Chico Carvalho é daquele tipo de artista em que você fixa o olhar para ver cada gesto, cada expressão, sentir cada respiração, ouvir a sua ótima dicção e, claro, prestigiar o seu trabalho de grande ator.
Tem um olhar crítico e pertinente sobre a arte e o cotidiano e acredita que o teatro pode nos transformar ao provocar reflexão e também encantamento.
Como diretor e dramaturgo, o público pode acompanhar todo o seu talento em dois espetáculos com a Cia do Bife. Detalhe: os títulos enormes, e os espetáculos? Excelentes, críticos, irônicos, divertidos! Pequena Ladainha Anti-Dramática para o Episódio da Fuga do Leão do Circo e Outros Boatos Pouco ou Quase Nada Interessantes... e Pequena Ladainha Anti-Dramática para a Reunião de Emergência dos Catedráticos da Instituição Feitosa Bulhões, a excelência do ensino em mais de cinco décadas de funcionamento.
Carvalho apresenta e idealiza programas na rádio Cultura de São Paulo onde explora com competência assuntos pertinentes ao teatro, ópera e a música. No momento, está no ar com " Teatro de Ópera com Chico Carvalho", aos domingos, às 15h, pela Rádio Cultura FM de São Paulo, 103,3 MHz.
É um dos grandes intérpretes do nosso teatro, formado em Artes Cênicas pela Unicamp, Rádio e TV pela Casper Líbero e doutor em Artes da Cena (2018), também pelo Instituto de Artes da UNICAMP. É ator, diretor, dramaturgo, radialista.
Já foi dirigido por grandes nomes do teatro e pela sua atuação como o protagonista de Ricardo III, de William Shakespeare, com direção de Marcelo Lazzaratto, foi agraciado com o prêmio Shell de Melhor Ator.
Tem uma parceria contínua, de excelentes trabalhos, com o diretor Gabriel Villela (nos espetáculos A Tempestade, de William Shakespeare, Peer Gynt, de Henrik Ibsen (Prêmio São Paulo de Incentivo ao Teatro Infantil e Jovem 2016 de Melhor Ator), Boca de Ouro, de Nelson Rodrigues, e Estado de Sítio, de Albert Camus - produções de Claudio Fontana, que esteve no palco atuando nos dois últimos espetáculos.
No momento, Chico está se preparando para a estreia de Henrique IV, com direção de Gabriel Villela, que assina também o cenário e o figurino. A montagem terá dois momentos – a estreia on-line (no dia 5 de novembro), com sessões ao vivo, e gratuitas, do Teatro Ruth Escobar/SP, e a estreia com elenco completo, e presencial, no ano que vem.
A versão original de Henrique IV traz 13 personagens ao todo, mas nesse trabalho estão em cena apenas dois personagens, Matilde e Henrique IV, interpretados por Carvalho. Também estará no palco o ator Breno Manfredini, como um contrarregra/camareiro cênico.
A adaptação de Claudio Fontana, que cuida também da produção e assina a tradução, teve como meta manter a essência da obra e evidenciar as reflexões propostas pelo autor sobre aparência, loucura, sanidade e verdade, que acoplam à vida cotidiana e também a utilidade da arte, o valor da criação artística.
ENTREVISTA COM CHICO CARVALHO
¨Nenhum ator é técnico de nada. Ou é um humanista, ou não é nada¨.
¨Teatro não é o lugar da espontaneidade, da livre expressão. Isso é simplório demais. Teatro é um lugar onde é preciso pensar muito, trabalhar muito, errar muito para poder em algum momento criar algo que mereça a apreciação do espectador.¨
¨O Gabriel (Villela) reúne tudo aquilo que me interessa fazer no teatro: o cuidado com a cena, com os figurinos, a preocupação com a palavra, a dedicação ao texto dramático, o trabalho lindíssimo com as músicas cantadas e tocadas em cena, a relação sincera diante do espectador... Enfim, eu sempre me embaralho quando me perguntam sobre o Gabriel porque sinto que é um privilégio tão grande pertencer a um país onde existe um artista da dimensão dele¨...
¨A importância do ator e do teatro em suas funções é a importância da cidadania, ou recuperar a cidadania que ainda nos resta. Com o rádio, igualmente¨.
Nanda Rovere - O que foi mais marcante pra você nos anos de estudo da Unicamp?
CHICO CARVALHO - O período inteiro da faculdade foi importante. Eu acredito que não há outra forma de se tornar ator a não ser através de uma imersão intensa nos estudos, sem dar atenção a qualquer apelo do mundo do lado de fora que o convida a se tornar um objeto do mercado. É esse mercado que emburrece a todos, e, principalmente, o transforma em mercadoria. E uma mercadoria pode render frutos por um tempo, mas chegará uma hora em que ela será substituída por outra, dando corda numa relação brutal de compra e venda. Um ator não pode ser uma mercadoria, e estudar é um antídoto a essa equação violenta, e principalmente uma forma de resistir contra a mediocridade que aí se estabelece a cada esquina da vida. Na Unicamp tudo foi marcante: as aulas teóricas e práticas, os bons professores e aqueles que eu não achava tão bons, os colegas, a distância da casa dos pais, viver em outra cidade..., e também o fato de a Unicamp ser uma UNIVERSIDADE e não um curso técnico. Nenhum ator é técnico de nada. Ou é um humanista, ou não é nada.
NR - Gostaria que falasse sobre os trabalhos que fez com o Márcio Aurélio, Neyde Veneziano, Marcelo Lazzaratto. Como foi tê-los como professores e depois ser dirigido por eles já como ator profissional?
CC- Eu sempre acredito numa relação de mestre e aprendiz quando o assunto é teatro. Eu tive a sorte de ter professores que eu considerava mestres, muito mais do que uma relação burocrática dentro da sala de aula. O Márcio Aurélio foi e é o meu grande mestre, o meu grande exemplo. Foi a partir dele que eu entendi a importância ética e política que existe nessa simples ação de subir ao palco para estar exposto aos olhos alheios. O Márcio é um artesão da cena, e cada gesto, cada movimento, cada ângulo do cenário e cada foco de luz são camadas de linguagem que são pensadas para produzir algo diante do espectador. Teatro não é o lugar da espontaneidade, da livre expressão. Isso é simplório demais. Teatro é um lugar onde é preciso pensar muito, trabalhar muito, errar muito para poder em algum momento criar algo que mereça a apreciação do espectador. Com o Márcio eu aprendi que o ator é um potencializador da cena, ele não é o protagonista de nada. O protagonista do teatro é o próprio teatro. Entender isso é árduo e exige treinamento recorrente, porque é essencialmente um exercício de humildade que vai a favor do palco, nunca de si mesmo, das suas demandas, dos seus interesses. A Neyde Veneziano e o Marcelo Lazzaratto eu encontrei depois, e sou igualmente grato aos ensinamentos que obtive deles. Pelo Lazzaratto eu tenho uma admiração especial, porque foi ele quem depositou em mim a confiança para fazer um espetáculo muito difícil, e que me rendeu bons frutos futuros e também uma satisfação enorme por me sentir ator naquele determinado instante.
NR --Você é um leitor voraz. O que indica de leitura para que um artista, principalmente os mais jovens, aprimorem o conhecimento.
CC- Tudo. Leiam tudo. Eu não sei se sou um leitor voraz. Eu sou muito lento para ler, o que me causa certa angústia de imaginar o quanto de literatura eu vou perder por não conseguir acompanhar o ritmo da minha curiosidade. Mas eu diria que a coisa mais importante para um ator é a leitura. O treinamento do ator está relacionado à manutenção do assombro que ele sustenta diante do mundo, e isso tem a ver com manter em dia a curiosidade, o espanto, o desespero de continuar se surpreendendo com os absurdos e as maravilhas da vida. Pegue qualquer clássico da literatura e você entenderá que é só sobre isso que os autores tratam: do assombro de uma coisa que se desenvolve para chegar até uma determinada conclusão. Machado de Assis é um gênio assombrado com o mundo. Dostoiévski, Kafka, Thomas Bernhard, Cervantes, Shakespeare, Pirandello... são gente atormentada. Um ator precisa ser constantemente atormentado pela vida. E a literatura é a fonte primordial desse estado de atenção. E a música também.
NR - Com Gabriel Villela você fez personagens incríveis e textos incríveis. Como é trabalhar com ele, interpretar os personagens?
CC- O Gabriel é um caso à parte porque eu acho que ele reúne tudo aquilo que me interessa fazer no teatro: o cuidado com a cena, com os figurinos, a preocupação com a palavra, a dedicação ao texto dramático, o trabalho lindíssimo com as músicas cantadas e tocadas em cena, a relação sincera diante do espectador... Enfim, eu sempre me embaralho quando me perguntam sobre o Gabriel porque sinto que é um privilégio tão grande pertencer a um país onde existe um artista da dimensão dele... E penso que as próprias obras que fazemos com ele já respondem de maneira poética e didática o quão importante e necessário é termos entre nós alguém da envergadura dele. Todos os personagens que pude fazer com o Gabriel estão entre os meus preferidos, não saberia eleger qual deles eu gostei mais de representar. O Gabriel guarda consigo um espírito de teatro de trupe que já não existe mais. É como se todos trabalhássemos em parceria em direção a um objetivo comum. Ainda que haja um protagonista, a importância dele não diminui a importância dos outros. Tudo na cena é linguagem, e todos nós somos responsáveis por preservar o palco como um terreno de acesso coletivo à história que está sendo contada à plateia. Isso é um exercício de civilidade. Basta olhar para a nossa sociedade e ver que o abismo em que estamos mergulhados tem a ver com um profundo descompromisso com tudo o que está nos arredores do nosso umbigo afetado.
NR – Você também é apaixonado por rádio. Os seus programas aliam a sua paixão pela música clássica, operística, literatura e teatro. Mais do que uma pergunta, quero dizer que essa ideia é incrível por levar para a rádio um conteúdo tão rico. Fale um pouquinho sobre essa experiência.
CC- Depois de me formar em Artes Cênicas na UNICAMP eu entrei e me formei na faculdade de Rádio e TV da Cásper Líbero. Não tinha interesse pela imagem, pela televisão, mas sim pelo rádio. Passei quatro anos estudando e aproveitando os estúdios de rádio para experimentar um monte de linguagens que pudessem aproximar a dramaturgia do som. Tenho a certeza de que os bons atores são aqueles que sabem acessar o ouvinte pela voz, que é um instrumento precário e poderoso ao mesmo tempo. O rádio e o teatro são igualmente precários e poderosos, veículos artesanais, e é por essa aparente fragilidade que é possível estabelecer uma conexão de força com o interlocutor. Eu gosto muito de estudar comunicação, leio bastante coisa sobre o tema, e quando estudo teatro e estou no palco eu entendo um pouco melhor o que é ser um radialista. São ambas profissões misteriosas: no rádio e no teatro a gente não precisa enxergar a própria imagem, nós temos um retrato incompleto de quem somos, uma incompletude que deve ser retrabalhada pelo ouvinte e pelo espectador. Acho tanto o teatro como o rádio dois veículos de importantíssima função política e social. Sou sortudo por poder frequentar essas duas praias.
NR - Como é a sua preparação para estar sempre tão entregue em cena ( corpo, voz..). Enfim, gostaria que falasse um pouco do seu processo para criar um personagem.
CC- Não tenho a menor ideia. Não acredito em técnica nenhuma e tenho pavor dessa coisa que chamam de método, seja lá de qual substância for. Acho que o verdadeiro método é aquele do desespero: ter que enfrentar diariamente o precipício de se equilibrar na corda bamba que é se ver exposto diante de uma audiência. Para não ser completamente leviano nessa minha resposta, eu deposito o meu esforço naquilo que eu tenho de concreto e que foi trabalhado junto com o diretor e colegas de cena: o texto. A palavra é a guia mestra de tudo para mim. Na sequência dela tudo caminha para corroborar o que o verbo diz, ou assim deveria ser. Evidentemente que há uma sequência de aquecimentos de voz e corpo anteriores à entrada na cena que ajudam a dimensionar um outro estado de presença. Também odeio a palavra técnica. Odeio técnicos. Acho um sintoma da nossa falência essa palavra: técnica.
NR - Qual a sua perspectiva para o teatro pós pandemia ...agora que o teatro está voltando, mas ainda temos que tomar tantos cuidados!? Qual é a importância do teatro, e da arte em geral, para a humanidade e para a sua vida enquanto ator, diretor, dramaturgo, radialista?
CC- A importância do ator e do teatro em suas funções é a importância da cidadania, ou recuperar a cidadania que ainda nos resta. Com o rádio igualmente. Não dá para resolver o mundo através do TikTok, não dá para acreditar que com um celular na mão a gente irá caminhar para algum lugar que não nos torne inimigos uns dos outros, ou meros consumidores do mais novo lançamento tecnológico. Eu fico com Shakespeare: o mundo é inevitavelmente um palco, se o mundo vai mal o teatro vai mal junto. Se o teatro vai bem é sinônimo de que o mundo está andando para algum lugar interessante. Portanto, o teatro é um laboratório concentrado e reduzido - e protegido pela simbologia metafórica que lhe cabe - dos desafios que acontecem fora dele. Ou seja, esforçar-se para ser um bom ator é um esforço para ser um bom cidadão. E trabalhar para oferecer algo de qualidade para a plateia - não um produto de mercado pasteurizado pela indústria - é dar um passo rumo a uma sociedade mais generosa e humana. Não tenho ideia sobre os rumos do teatro pós pandemia, só sei que ele vai mal como vai mal o país. Ser ator de teatro nesse país é uma coisa absolutamente insignificante. E isso tem a ver com uma culpa nossa também. Tem a ver com a qualidade dos cursos de formação - cada vez mais entregues à rapidez, cada vez mais coagindo os jovens a se tornarem peça de manobra dentro de um mundo forjado pela barganha. Ou seja, todos somos igualmente culpados pela situação que nos acomete, é o que eu acho.
NR - E os seus trabalhos com a Cia do Bife, como diretor e dramaturgo? Gostaria que falasse sobre a experiência com esses artistas jovens e talentosos.
CC- Um dos meus maiores orgulhos é trabalhar com companheiros que um dia foram meus alunos. Tenho a maior admiração por cada um dos integrantes da Cia do Bife, acho cada um deles o exemplo desse ator que vem ao mundo para se indignar com o mundo, e não para receber rapapés e beijinhos na bochecha. São artistas de verdade que eu pude ver crescer e que hoje eu posso dialogar de igual para igual nos trabalhos que realizamos. Eu adoro dramaturgia, então uso o espaço que tenho com a Cia do Bife para criar textos e dirigir a cena a partir de uma criação original. Acho um exercício torturante estar fora de cena e não poder interferir, mas isso me ajuda a entender também a minha função como ator quando sou eu quem estou no palco. Sou muito grato à Cia do Bife, e tenho certeza de que teremos muitos trabalhos ainda por vir.
NR - Sobre Henrique IV, a experiência de interpretar esse personagem e esse texto tão interessante e oportuno: ser dirigido novamente por Gabriel Villela, nesse momento tão especial e com apresentações ao vivo, mas que serão apresentadas via youtube, como está sendo essa experiência (só de ver as fotos já me emocionei com tanta força e beleza)?
CC- Me pergunte isso depois, agora estou mergulhado no pavor de dar contar desse texto deslumbrante, dessa maquiagem maravilhosa, dos figurinos igualmente lindos, tentando corresponder à linguagem do Gabriel. Eu confesso que não tenho a menor ideia do que vai ser o resultado, estou muito empolgado e ansioso. Só posso dizer que Pirandello é um dos maiores gênios da dramaturgia, é a partir dele que o cidadão comum passa a ter contornos trágicos e cômicos. Ele é engraçado e perigoso ao mesmo tempo. Uma coisa esquisitíssima... Mas, enfim, me pergunte isso depois, agora não saberia dar a real dimensão do que acontece, só ter a certeza de que sou muito privilegiado por estar cercado de artistas da mais alta qualidade, diante de uma das pérolas do teatro mundial. Espero que o resultado seja bom.
Serviço
PROTO-HENRIQUE IV, de Luigi Pirandello. Duração: 60min.Temporada: 05 de novembro a 05 de dezembro, sextas a domingos às 20h Classificação: 12 anos. Ingressos gratuitos estarão disponíveis na plataforma Sympla. link: https://www.sympla.com.br/produtor/protohenriqueiv
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Ficha Técnica
Elenco: Chico Carvalho
Texto: Luigi Pirandello
Tradução e adaptação: Claudio Fontana
Direção, Figurinos e Cenografia: Gabriel Villela
Diretor Assistente e Iluminação: Ivan Andrade
Contrarregra/camareiro cênico: Breno Manfredini
Canto e arranjos vocais e instrumentais: Marco França
Assistente de Figurinos: José Rosa
Adereços de arte: Jair Soares Jr
Costureira: Zilda Peres
Maquiagem: Claudinei Hidalgo
Fotografia: João Caldas Fº
Assistência de Fotografia: Andréia Machado
Programação Gráfica: Renata Monteiro
Diretor de Palco: Alexander Peixoto
Produção Executiva: Augusto Vieira
Direção de Produção: Claudio Fontana
Matéria sobre o espetáculo:
http://www.deolhonacena.com.br/index.php?pg=3a3b&sub=480#linha
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