Direção de Reginaldo Nascimento e a atriz Amália Pereira no elenco
Carne Viva é um texto inédito no Brasil, que aborda um assunto pertinente e, infelizmente, sempre atual: a violência doméstica contra as mulheres. O texto foi escrito em 2003 e trata o assunto com poesia.
O experimento cênico é apresentado de forma online da Oficina Cultural Oswald de Andrade, por meio do Youtube das Oficinas Culturais do Estado de SP.
As sessões são gratuitas e fazem parte das contrapartidas da Lei Aldir Blanc na Cidade de São Paulo, Prêmio Maria Alice Vergueiro, módulo 1, para manutenção das atividades do grupo.
A trama: Uma mulher, ao se deparar com mais uma tarefa doméstica do dia a dia, entra em um transe espiritual.
A obra, que parte de um imaginário feminino histórico, de condição matrimonial, tem como objetivo entender como o feminino se debate com a sociedade patriarcal. Um grito a favor do respeito e contra a violência.
ENTREVISTA COM LUH MAZA (ATRIZ, DIRETORA, DRAMATURGA, ROTEIRISTA), AMÁLIA PEREIRA E REGINALDO NASCIMENTO
LUH MAZA
NANDA ROVERE - Gostaria que falassem um pouco da atualidade do texto.
Como é abordar esse tema nesse momento tão complicado, momento em que muitas pessoas estão mostrando o quanto existe ainda de preconceito no Brasil e no mundo?
LUH MAZA - Escrevi "Carne Viva" partindo do arquétipo da "esposa" no qual a mulher foi delimitada na mitologia cristã desde Eva a Maria, mas também Maria Madalena e as freiras - como Santa Teresa D'Ávila. Em contrapartida, a insurgência feminina sempre foi representada na tradição como traição e loucura. Então eu queria levar tudo isso para dentro de uma cozinha, no gesto banal de uma mulher que guardasse esse relato histórico. O que me espanta é que este tema esteja tão relevante hoje como há quase 20 anos.
NR - Qual o papel do teatro na vida de vocês, e para a sociedade?
LM - O teatro é meu lar. Foi onde minha formação se deu, pelo estudo e observação do humano, mas também pelas vivências no palco e bastidores. Também é ao teatro que sempre retorno quando tenho urgências e inquietações a compartilhar. Um campo de expressão, de reflexão e de troca com colegas e espectadores. Acredito no teatro como ágora para a sociedade, retrato da nossa realidade e também vislumbre daquela que desejamos alcançar.
NR - Gostaria que falasse sobre como está sendo a experiência dessas apresentações on-line e perspectivas para o futuro.
LM - Dois projetos a partir de textos meus estão estreando online quase que simultaneamente, o "Carne Viva" e o "No Meio do Caminho", e é muito interessante pensar na oportunidade de ter essas histórias exibidas gratuitamente e democraticamente para qualquer pessoa do mundo que acesse um link. Espero que estes trabalhos específicos em audiovisual para internet possam ser experiências que se bastem nelas mesmas, mas também abrir espaço para futuras encenações presenciais pelo Brasil.
NR - Muito além de uma mulher trans, Luh é de um talento incrível, mas abordar esse assunto é essencial num momento tão complicado, onde o grito por respeito é o que nos salvará do caos!
Gostaria que falasse um pouco dos seus trabalhos e como é ocupar um lugar de destaque nesse mundo, que, como disse acima, está careta e com muitas pessoas mostrando uma face terrível de preconceitos e desrespeito.
LM - Eu estudo teatro desde os 12 anos e escrevo para ele desde os 16. Ao longo desse tempo, vi tanta gente chegar e partir.... É bom continuar aqui, fiel à minha essência e ao mesmo tempo em constante transformação. Precisamos ser contrapeso a essas pessoas terríveis que despendem energia para o mal. Felizmente é bom ver que muitos artistas que têm tanto a dizer e que por tanto tempo foram silenciados hoje também ocupam seu espaço e têm reconhecimento e esse movimento não será detido.
NR - Luh, o que você poderia falar sobre o espaço para as/os artistas trans?
LM - É preciso incluir pessoas trans em todos os espaços, dentro da arte e fora dela, para que nossa existência seja naturalizada. Acredito que nós, artistas trans, temos conquistado com nossos esforços visibilidade que é muito importante para inspirar essas mudanças e as gerações mais novas de que têm outras possibilidades. Mas não podemos ser uma pessoa aqui e outra ali, a representatividade precisa ser coletiva sempre.
NR - E sobre as experiências na HBO Max e na série Sessão de Terapia?
LM - Adoro escrever para televisão e levar essas reflexões e inspirações para o máximo de pessoas. Poder chegar em suas casas com uma trama que elas desejem, mas também convidá-las para uma conversa sobre temas que talvez elas ainda não tivessem se aprofundado.... Esse exercício de comunicabilidade é uma jornada de amplificação dos debates sociais e estéticos que me interessam e tenho tido prazer de criar em séries tão relevantes como "Sessão de Terapia".
Bienal do Livro Rio! 📚
A CONSTRUÇÃO DO FEMININO
As autoras Ana Paula Araújo, Bruna Maia, Jaqueline Vargas e Luh Maza, mediadas pela também autora e professora Cristiane Fontes, irão refletir sobre mecanismos de manutenção de poder, preconceito, arquétipos e expectativas ligadas ao feminino, além da violência que surge do machismo estrutural.
11/12 - 13h - Estação Plural
https://bienaldolivro.com.br
AMÁLIA PEREIRA
NANDA ROVERE - Gostaria que falassem um pouco da atualidade do texto.
AMÁLIA PEREIRA - Apesar de ter sido escrito há quase 20 anos, o texto está mais atual do que nunca. Os casos de violência contra a mulher, principalmente a violência doméstica, aumentaram muito durante o período da pandemia. Acredito ser urgente abordarmos esse tema. Infelizmente estamos vivendo um momento muito sombrio, de preconceitos, falta de empatia e não aceitação do outro. Uma onda conservadora e careta que só atrasa o desenvolvimento da sociedade e do ser humano. Como artista, me sinto tocada a trabalhar com questões que contribuam para uma sociedade mais justa e igualitária e menos retrógrada.
NR - Qual o papel do teatro na vida de vocês, e para a sociedade?
AP - O papel do teatro na minha vida é praticamente quase ela toda. Rsrsrs. Desde quando comecei no Teatro Amador, no interior de São Paulo, na década de 90, e até hoje é ele que me norteia. Seja como atriz e produtora no Teatro Kaus, grupo que fundei junto com o diretor Reginaldo Nascimento há 23 anos, seja como jornalista e assessora de imprensa na área cultural, estou sempre envolvida com o teatro. E a minha vida pessoal também está intrinsecamente ligada a ele, já que há 25 anos vivo uma união estável com o Reginaldo. Então, o trabalho acaba sempre se estendendo e misturando com a nossa relação. Ainda mais nesse período de pandemia, em que acabamos criando e produzindo os trabalhos a maior parte do tempo em casa.
Acredito que o teatro, assim como as outras artes e a cultura no geral tem um papel fundamental na sociedade, principalmente nesse período tão difícil que estamos vivendo, com a pandemia e outras mazelas. Sem a arte seria muito mais difícil passar por tudo isso, não só para nós artistas, mas também para todas as outras pessoas.
NR- Gostaria que falassem sobre como está sendo a experiência dessas apresentações on-line e as perspectivas para o futuro.
AP - Este é o segundo trabalho que o Teatro Kaus faz para temporadas online. O primeiro foi a peça Chuva de Anjos, do argentino Santiago Serrano, que foi exibido em outubro, também pelo Youtube das Oficinas Culturais. Está sendo uma experiência muito interessante e diferente, para nós que somos do teatro, fazer o trabalho gravado e depois assistir como público durante a temporada. Além de termos a possibilidade de alcançar uma plateia maior, que pode assistir de qualquer lugar do mundo. A realização das apresentações online tem sido uma forma de continuarmos criando, produzindo e aprimorando os trabalhos enquanto não estreamos presencialmente num teatro. Nossa vontade é estrear as duas peças presencialmente em 2022, com os cenários, figurinos e tudo mais que não pudemos fazer nos experimentos online. O Chuva de Anjos deve estrear em março de 2022, estamos fechando um teatro. O Carne Viva estou renegociando os direitos para poder estrear também ainda no primeiro semestre de 2022.
NR - E, Amalia, como é interpretar esse texto, um monólogo de forma online e um tema tão oportuno?
AP - O Carne Viva é uma peça cujo processo eu comecei antes da pandemia, em junho de 2019. Com a chegada da pandemia, e sem perspectivas de estreia, começamos a trabalhar de forma mais espaçada. Mesmo assim, foram quase dois anos de imersão no texto, por meio de investigações e experimentações. Poder mostrar o resultado de todo esse processo tem sido muito enriquecedor, pois é uma maneira de sentir o que funciona e ver o que precisa ser aprimorado para quando estrearmos presencialmente. Eu estava há muito tempo procurando um texto solo para fazer e encontrar essa obra da Luh Maza foi um grande achado, não só pela temática da peça, mas pelo que ela proporciona para o trabalho de atriz. Tem sido muito prazeroso trabalhar com o Carne Viva, não vejo a hora de poder estreá-lo num teatro, com público presente, e ver o resultado em cena. Falar sobre a violência contra as mulheres e levantar essa questão, principalmente no momento que estamos vivendo, é sempre primordial.
REGINALDO NASCIMENTO
NANDA ROVERE - Gostaria que falassem um pouco da atualidade do texto.
Reginaldo Nascimento - Em uma sociedade construída sob a égide do patriarcado, onde nos acostumamos com os apagamentos de tantos, os gritos pela igualdade e respeito entre seres que se reconhecem humanos devem ser ampliados. Neste mundo, e num Brasil cada vez mais coisificado, se torna cada vez mais evidente que estes temas e tantos outros estejam na cena nos debates da vida. Penso ser um dever trazer com potência dramaturgias que escancaram todas as mazelas que esta nossa sociedade construiu, e reconhecer a necessidade de que estas vozes estão aí e devem ser ouvidas já é um caminho de luta.
NR - Qual o papel do teatro na vida de vocês, e para a sociedade?
RN - Não sei qual o papel do teatro, acho que cada dia vamos nos fazer essa pergunta, sobretudo em tempos sombrios, onde o artista é lançado à sua sorte. Mas sei o quanto ele, o Teatro, transforma e ressignifica vidas, elabora possibilidades de pensamento e sonhos num estado único, num tempo e espaço que se estabelece ali no momento insubstituível do encontro. Momento em que histórias, atores e espectadores são atravessados, se colocando em confronto entre vida, sonho e realidade, cada um a seu tempo, do seu jeito. É dali que nasce nossa capacidade de ressignificar os dias e de suportar todas as horas que ainda restam entre uma sessão e outra.
NR - Gostaria que falassem sobre como está sendo a experiência dessas apresentações on-line e perspectivas para o futuro.
RN - Apresentações online são possibilidades de divulgar e trazer novas referências, comentários e abrir o processo que seguimos construindo com um público muito amplo, vindo de diversas regiões do mundo. O retorno da plateia tem sido positivo. O que desejamos é estrear o espetáculo no início de 2022 de forma presencial, mas estas são conversas ainda em andamento com a autora do texto.
................
EXPERIMENTO CARNE VIVA – Texto: Luh Maza. Direção: Reginaldo Nascimento. Com o Teatro Kaus Cia Experimental. Elenco: Amália Pereira. Duração: 70 minutos. Gênero: Drama. Recomendação: 18 anos. Ingressos: Gratuitos. Sextas a domingos. Até 19 de dezembro.
OFICINA CULTURAL OSWALD DE ANDRADE
Dias 3, 4, 5, 10, 11, 12, 17, 18 e 19 de dezembro. Temporadas disponíveis para assistir nestes finais de semana, de sexta-feira a partir das 20h até o domingo.
Plataforma: YouTube.
https://www.youtube.com/OFICINASCULTURAISDOESTADODESAOPAULO
Teatro Kaus - https://teatrokaus.com.br/
.......
Luh Maza: É dramaturga, diretora e atriz. É autora de mais de 10 peças teatrais encenadas no Rio de Janeiro, São Paulo e em Portugal. Destacam-se “Restos”, no Centro de Referência da Dramaturgia Contemporânea do Rio de Janeiro; “A Memória dos Meninos”, no Centro Cultural São Paulo; e “Carne Viva”, no Fórum Municipal Luísa Todi em Setúbal, Portugal - todas sob sua direção. Sua dramaturgia já foi publicada na coleção Primeiras Obras (Imprensa Oficial), finalista do Prêmio Jabuti de Literatura 2010; no livro "Teatro" (Chiado Editora), lançado em países da Europa e África, e na antologia "Dramaturgia Negra" (Funarte). Seu espetáculo teatral mais recente é “Transtopia”, criado a convite do Theatro Municipal de São Paulo. Roteirizou o curta metragem “35”, dirigido por Del, que recebeu o troféu de bronze de Melhor Roteiro no Festival El Ojo de Iberoamerica, na Argentina; o Inclusive and Creative Awards Campaign, nos Estados Unidos; e o top 5 no Berlin Commercial, na Alemanha. Escreveu para a quarta temporada da série de televisão “Sessão de Terapia” com direção de Selton Mello para o Globoplay e GNT. Por este trabalho foi indicada a Roteirista do Ano do Prêmio ABRA 2020. Escreveu ainda séries inéditas com direção de José Henrique Fonseca, Luis Lomenha e Vicente Amorim para Globoplay, Netflix e HBO Max. Atualmente é chefe da equipe de roteiro de série com direção de Heitor Dhalia para a HBO Max.
Reginaldo Nascimento: Ator e diretor teatral, fundou o Teatro Kaus Cia Experimental em 1998. Mestrando em Artes Cênicas na Unesp-SP. Desde 1993 se dedica especificamente à direção teatral e à pesquisa do teatro de grupo, tendo assinado a direção de mais de 20 espetáculos, entre eles: Contrarrevolução, de Esteve Soler; Hysterica Passio e O Casal Palavrakis, ambos de Angélica Liddell; O Grande Cerimonial, de Fernando Arrabal; Infiéis, de Marco Antônio de la Parra; A Revolta, de Santiago Serrano; El Chingo, de Edílio Peña; Pigmaleoa, de Millôr Fernandes; Cala a Boca Já Morreu, de Luís Alberto de Abreu; A Boa, de Aimar Labaki; Vereda da Salvação, de Jorge Andrade; Homens de Papel e Oração para um pé de chinelo, ambas de Plínio Marcos. Organizou e editou os livros Cadernos do Kaus 1º O Teatro na América Latina, publicado no projeto Fronteiras, em 2007, contemplado pelo Programa de Fomento, em 2006; e Cadernos do Kaus 3º Teatro Kaus, Da América Latina à Espanha, 10 anos de dramaturgia hispânica, publicado no projeto de mesmo nome em 2018, contemplado pela 30ª Edição do Programa de Fomento, em 2017, e a revista Cadernos do Kaus 2º Hysterica Passio, publicada no projeto de mesmo nome em 2016, contemplada com o Prêmio Zé Renato de Teatro, em 2015. Em agosto de 2009, idealizou e executou juntamente com o Grupo Kaus e em parceria com o Instituto Cervantes a Mesa de Debates Um Certo Arrabal, evento que trouxe a São Paulo o dramaturgo espanhol Fernando Arrabal.
|