PROTO HENRIQUE IV – LUIGI PIRANDELLO E O IMAGINAI DO DIRETOR GABRIEL VILLELA
Já estava tudo pronto para os ensaios começarem e a previsão de estreia era para meados de 2020, segundo semestre.
Produção de Claudio, também no elenco, e direção de Gabriel Villela.
Elenco formado, equipe também já pronta e o teatro já praticamente fechado.
Veio a pandemia e com ela, incertezas sobre quando a volta seria possível.
Quem conhece o Gabriel Villela, o seu método de trabalho, sabe que ele sempre já tem as ideias fervilhando na cabeça bem antes do projeto ter início. A criatividade – imbatível – vem a todo o vapor e a preparação do figurino sempre tem muita antecedência no seu sítio em Minas (isso também acontece quando assina o cenário), para só depois ocorrerem os retoques necessários durante os ensaios em São Paulo.
A pandemia foi o tempo para criações, o necessário recolhimento e agora a volta com todo o esplendor do seu imaginai.
O teatro acontece ao vivo e de forma presencial, o mágico encontro entre ator e espectador: quem ama o teatro sabe disso.
A necessidade de dar forma ao projeto, para não perder os prazos das leis de incentivo, no entanto, fez com que Claudio Fontana tivesse que adaptar o projeto ao universo ¨online¨. No ano que vem acontecerá a encenação com todos os atores.
Villela aceitou o desafio, mas com a condição de preparar a encenação para o teatro, sem mudanças para a linguagem audiovisual. E isso deu muito certo.
Por mais que a energia presencial seja única, as apresentações online foram excelentes, com toda a criatividade de Villela emanando com beleza e poesia para contar a história de um homem que cai, bate a cabeça a caminho de uma festa de carnaval, fantasiado de Rei Henrique IV da Alemanha, e, durante anos, finge ou acredita ser, o próprio imperador.
Em cena, Chico Carvalho como o protagonista, e Breno Manfredini, que a princípio era para ser um camareiro cênico, mas devido ao seu talento absurdo faz um boneco, títere que merece muitos aplausos e dialoga com Henrique IV. E que canto! Gabriel Villela e a sua sensibilidade em aproveitar com maestria as habilidades de seus atores!
O elenco original é formado por 10 atores, mas a necessidade de custos menores para a produção fez com que, num primeiro momento, o texto fosse adaptado para um ator, no caso, Chico Carvalho como o suposto Henrique IV e a sua paixão, Matilde.
A exigência de Gabriel Villela de que o conteúdo da obra fosse mantido na sua essência foi respeitado com louvor por Claudio Fontana, responsável pela adaptação e tradução.
Como todo bate-papo, o encontro foi muito interessante e colocar em palavras tudo o que foi dito é impossível. De qualquer maneira, vale a pena salientar alguns pontos. O Evento aconteceu como contrapartida do Proac e da Lei de Incentivo à Cultura.
A Faculdade de Belas Artes, que já recebeu Fontana e Villela para conversas com os alunos de Artes Cênicas (e áreas afins) dentro do projeto BA em Cena, foi agraciada com uma sala especial durante as transmissões de Proto Henrique IV pelo Youtube, e também com essa tarde especial para falar sobre o processo de gestação e criação do excelente Proto Henrique IV.
CONVERSA COM GABRIEL VILLELA, CLAUDIO FONTANA E CHICO CARVALHO. MEDIAÇÃO PROF. GUILHERME BRYAN E ATRIZ TUNA DWEK. DEPOIMENTOS E QUESTÕES DOS ALUNOS DA FACULDADE DE BELAS ARTES E DA JORNALISTA NANDA ROVERE.
Fontana, Carvalho e Villela salientaram a dimensão filosófica da obra de Pirandello, que traz um texto que nos remete aos nossos tempos, tempos em que a visão fascista ganha força entre os representantes do governo.
Gabriel Villela ressaltou que o conteúdo perpassa pela história da humanidade e traz como riqueza dramatúrgica a reflexão sobre a lucidez e a loucura.
Pirandello é um autor capaz de nos fazer crescer na fábula, até nos levar a um ponto onde não se sabe o que falso e o que é verdadeiro, o que é realidade e o que é fingimento, o que é sanidade e o que é loucura. A peça é um ¨faz de conta¨ que coloca em evidência a problemática de um homem que bate a cabeça, recobra a lucidez e finge-se de louco.
Um personagem que mostra a decadência de uma burguesia, já que na trama ele não tem nome e nitidamente não tem um rumo certo na vida; perde o seu amor e tem desentendimentos com o Papa. Pirandello e a sua maestria em apresentar personagens no limite tênue entre lucidez e loucura para traçar as suas almas.
A intenção da direção, em conjunto com a adaptação de Fontana, foi dar foco ao absolutismo, e como exemplo maior temos a relação conflituosa do rei com o Papa, a sua excomunhão. Uma obra que expõe as mazelas e a crise de valores burgueses, valores aos quais ainda damos muito valor nos dias de hoje (Deus, casamento e Igreja).
Chico Carvalho tem realizado trabalhos memoráveis com Gabriel Villela e Claudio Fontana (A Tempestade, de William Shakespeare) e Peer Gynt (de Henrik Ibsen), produções de Fontana; Boca de Ouro (de Nelson Rodrigues) e Estado de Sítio – De Albert Camus (Fontana além de produzir, integrava o elenco). A admiração de Villela e Fontana por esse grande ator é enorme e sempre o colocam entre os maiores de sua geração. Villela o compara ao talento de Paulo Autran.
¨Chico Carvalho tem uma capacidade artística enorme.
Ele tem todas as vozes na cabeça e fazer e fazer um roteiro para o Chico (interpretar) foi foco na sua multiplicação de vozes”, disse Villela.
Segundo Villela: ¨o maior trunfo da arte é a heresia. Transgredir para transformar¨ (tudo com poesia, delicadeza e beleza).
O diretor tem como meta ¨escavar buracos para sempre descobrir novas coisas e agradar os seus atores¨, evidenciando os seus talentos e habilidades enquanto artistas.
Claudio Fontana fez questão de elogiar o quanto o diretor tem sensibilidade para conseguir fazer com que os atores mostrem o que possuem de melhor no palco, a sensibilidade para guiar um elenco (e toda a equipe de criação) com a presteza necessária para que todos tenham uma performance de alta qualidade.
E Henrique IV tem espírito de heresia e transgressão ao colocar em evidência um homem que cria ao seu redor um emaranhado de encenações, já que para que o clima da corte de um rei aconteça, atores interpretam personagens... e a encenação tem como trunfo um ator que narra uma história com o olhar, transita entre um nobre e demais personagens - sobretudo a Matilde - com muita competência, cativando o espectador de uma maneira tão intensa que não é possível tirar os olhos do computador ou celular.
Chico e Fontana expuseram o valor da narrativa épica com a qual Gabriel Villela trabalha e cuja premissa é o ator narrar a trama, e não sentir as emoções; quem tem que se emocionar é o público. Uma linguagem cênica que é transformadora e realça a qualidade do espetáculo. ¨O ator é o emissor da história/estória e tudo o mais é consequência...¨.
O ator sobre no palco e declara para a plateia que tem algo para contar. O ator conta uma mentira e a plateia é quem recebe a informação, a compara com os dias atuais e o entende de acordo com a sua bagagem de vida.
¨Só o ator está autorizado a mentir¨- Gabriel Villela
“Nossa tarefa é reproduzir o gênero humano¨
O que interessa para Villela, Carvalho e Fontana, portanto, não é apresentar o conteúdo psicológico de um personagem e, sim, contar o seu caráter psíquico para que a plateia elabore o que esses personagens revelam. Um teatro que trabalha com o simbolismo e com metáforas poéticas, como bem disse Fontana.
¨Quanto mais verossimilhança, mais apresenta a alma do personagem. Não falo em psicológico. Prefiro falar de alma do personagem”. Gabriel Villela
¨O ator veste o figurino, se relaciona com os elementos de cena, com os colegas de palco para contar uma história ¨... ¨Um grande texto tem profundidade quando ele é popular¨... ¨O poder do ator está na voz, na fala (dita e cantada) ” - Chico Carvalho
Entre tantas falas interessantes sobre Pirandello e Proto Henrique IV, uma dica especial de um livro que é guia para o encenador Gabriel Villela e que serviu, em especial, de estudo para Breno Manfredini neste espetáculo:
HEINRICH VON KLEIST. TEATRO. MARIONETES. DE.
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