Riobaldo, monólogo de Gilson de Barros, com direção de Amir Haddad, chega a São Paulo
A temporada é presencial no Teatro Sérgio Cardoso, após elogiosas críticas e indicações de melhor espetáculo de 2021 no Rio.
Com direção de Amir Haddad, a peça apresenta um recorte sobre os amores do ex-jagunço, Diadorim, Nhorinhá e Otacília.
“Riobaldo” estreou em março de 2020, no Espaço Cultural Sérgio Porto, RJ. Uma semana depois, teve a temporada cancelada em decorrência da pandemia. O ator realizou apresentações do monólogo por meio de lives, e foi pioneiro nas apresentações virtuais. Voltou ao cartaz em 2021 no Rio e essa é a primeira temporada paulistana da montagem.
SINOPSE
O personagem central do romance Grande Sertão: Veredas, de João Guimarães Rosa, o ex-jagunço Riobaldo relembra seus três grandes amores: Diadorim, Nhorinhá e Otacília. O incompreendido amor homossexual por Diadorim, o amigo que lhe apresentou a vida de jagunço e lhe abriu as portas do conhecimento da natureza e do humano, levando-o ao pacto fáustico; o amor carnal e sem julgamentos pela prostituta Nhorinhá e o amor purificador por Otacília, a esposa, que o resgatou do pacto fáustico e o converteu num ‘homem de bem’.
Gilson de Barros é ator, gestor, dramaturgo e apaixonado pelo que faz.
Estudou na UNIRIO, Bacharelado em Artes Cênicas. Trabalhou com diretores expoentes, como Augusto Boal, Luiz Mendonça, Mário de Oliveira, Domingos Oliveira e o próprio Amir Haddad com o qual estabeleceu parceria artística em Riobaldo.
Barros fala sobre a sua trajetória no teatro e sobre esse espetáculo.
Nanda Rovere - Fale um pouco do seu contato com a obra de Guimarães, a adaptação para o monólogo e o personagem Riobaldo.
Gilson de Barros - O meu primeiro contato com a obra foi aos 18 anos e fiz um espetáculo chamado Imagens do Sertão, colagens dos Livros Os Sertões, de Euclides da Cunha, Grande Sertão Veredas e Morte e Vida Severina, do João Cabral de Melo Neto. A pessoa que fez a adaptação do livro para o teatro, um professor de literatura, me deu a obra do Guimarães de presente e eu estudei a minha cena, que era o julgamento de Zé Bebelo. O livro ficou comigo e eu sempre lia algumas partes. Só fui ler a obra inteira bem mais tarde. Há cerca de seis anos me aposentei e resolvi continuar trabalhando como ator. Aí que surgiu a ideia de adaptar o Grande Sertão Veredas para o teatro
A adaptação:
Peguei o livro e um arquivo na internet e guardei no computador partes de textos que já havia marcado e frases soltas, como um mosaico. Depois, busquei dar uma unidade - os amores de Riobaldo. Durante praticamente dois anos fiz leituras para amigos e grupos de literatura para ouvir as opiniões. Quando considerei o texto maduro, aí comecei a entrar em contato com Amir Haddad, que leu, gostou e aceitou assumir a direção, um mestre. Agora não estava mais sozinho no processo.
Esperava a criação de um espetáculo com luzes e som, mas logo no primeiro ensaio Amir sugeriu que eu ficasse sentado contando a história. Aquilo me #pirou# e o processo foi doloroso porque Amir é radical e genial. Com ele não tem mais ou menos. Demorei para entender como seria a realização de uma interpretação narrativa porque a nossa tradição de interpretação é dramática, e para conseguir realizar tudo o que Amir estava propondo eu apanhei muito. Com a ajuda de muitos colegas, como a Clarice Niskier, acho que entendi a proposta e agradeço muito. Ficar sentado e dar foco ao texto do Guimarães está dando super certo. Além disso, fica muito fácil rodar com o espetáculo pelo Brasil.
NR - Guimarães é o nosso Brasil, a cultura interiorana, e você reside no Rio, capital…como você lida com o mundo urbano e a magia cativante do nosso interior, da roça?
GB - Para quem mora na cidade é difícil entender o Sertão. Conheço Cordisburgo e o caminho que Guimarães fez. No início, tentei fazer sotaque mineiro, mas ficou falso e entendi que esse não era o caminho. Busquei a alma do Grande Sertão Veredas e o que tem de humano na história entre Riobaldo e Diadorim. E, mesmo sem fazer sotaque, as pessoas vêem as paisagens a partir da minha narrativa, e isso é uma honra pra gente.
Adaptar a prosa ¨Roseana¨ é não ter pena de adaptar. Não me julgo adaptador, sou um ator que quer fazer teatro e estou sempre mexendo no texto. É uma dramaturgia em processo.
Além da palavra sofisticada, o texto é rebuscado e isso pra literatura é maravilhoso. Já no teatro, como precisei condensar a história em cerca de uma hora e transformá-la em um monólogo, eu reduzi as falas sem enxugar o conteúdo, pois isso seria um crime. Tentei evitar também palavras difíceis de entendimento, porque quero pegar as pessoas que não têm o costume, nem tempo, de ler, para que todos sintam o Rosa no coração.
NR - E a parceria com Amir Haddad? Como foi esse encontro?
GB - Amir é um anjo, que respira teatro 24h por dia. Eu ganho mais do que dou, aprendo muito com ele. Ele tem um jeito de falar e fazer teatro especial. Ele não diz como fazer, ele abre o nosso coração. Ele me dá muita forma nessa peça. Sou produtor, não tenho patrocínio e às vezes perco a energia, e aí ele me anima e diz que o espetáculo está lindo. Amir tem uma energia enorme e me recolocou no palco, pois sempre foi um ator bissexto. Me dediquei à atuação, depois casei, tive filhos e trabalhei anos na Prefeitura do Rio, gerenciando espaços culturais. Fui gestor do Parque das Ruínas por 13 anos, o meu último emprego. De vez em quando eu fazia uma peça e tive a oportunidade de trabalhar com grandes atores, mas a parceria com o Amir é mais do que artística; hoje o considero um grande amigo e gosto muito da família dele também. Temos uma boa sinergia e isso não é privilégio meu. Todo mundo que trabalha com ele tece muitos elogios a ele. Amir não faz teatro, Amir vive para o teatro.
NR - E como foi o seu encontro com Augusto Boal?
GB - Fiz uma participação em uma peça dele.
Substituí um colega por pouco tempo. É um grande mestre (pois as obras dele continuam vivas). Tive com Boal uma parceria política: coordenei o Projeto Lonas Culturais, que serviram para a Eco 92 no Aterro do Flamengo e nós lutamos para que elas servissem de espaços culturais no subúrbio. Foi um processo longo de batalha política. Fechávamos a Avenida Brasil colocando fogo em pneus e ninguém dava força pra gente. Quem deu total apoio foi o Boal, que era vereador na época. Foi o primeiro grande artista a apoiar esse projeto. Eu integrava o movimento chamado Macaco – Movimento de Arte Alternativa Comunitária e Organizada. O Boal adorou o nome e pegava uma kombi com todo o pessoal do Centro do Teatro do Oprimido e participava das nossas reuniões em Bangu até altas horas da noite. Quando trabalhei com ele não nos tornamos amigos, mas após essa parceria nos tornamos amigos. Quando a Lona começou a funcionar, consegui levar de São Paulo o Grupo União e Olho Vivo e o seu fundador Cesar Vieira. O Boal foi lá e fizemos uma #pajelança”. Boal foi um homem da maior dignidade.
NR - Você apresentou Riobaldo de forma on-line. Como foi a experiência? Teve que mudar algo na concepção do espetáculo para as apresentações presenciais?
GB - A peça estreou em 7 de março de 2020 no Espaço Cultural Sergio Porto e na semana seguinte foi decretado o fechamento dos teatros. Estávamos com uma ótima quantidade de público e estávamos, eu e Amir, num ritmo frenético de ensaios. Propus para Amir me dirigir numa live com trechos da peça e ele aceitou. Foi uma viagem! 120/150 pessoas nos assistiam, viam o nosso ensaio. Essa experiência valeu muito porque eu nunca tinha interpretado para a câmera, aprendi a jogar no coração de quem assiste. Terminamos a temporada que estava prevista para ser presencial de forma on-line. Fui o segundo artista a fazer esse trabalho e a plateia que eu não tinha no teatro, pois não sou famoso, eu tive no formato virtual. Fui visto por pessoas da Alemanha, Inglaterra, França, Argentina, do Brasil todo...foi um barato e fiz três temporadas. Não precisei mudar muita coisa na peça para adaptá-la. Quando olho na bolinha do celular para fazer a apresentação virtual, eu olho para o espectador que está me vendo na tela do mesmo jeito que olho para a pessoa que está na plateia do teatro.
Em decorrência da experiência virtual, a partir da terceira semana de temporada no teatro Sergio Cardoso, em São Paulo, eu vou filmar para quem queira assistir à peça de forma virtual por um preço baixo.
NR - Acredita que as apresentações on-line vieram para ficar?
GB - Acredito sim que as experiências on-line vieram para ficar. Cada um vai achar maneiras de utilizar as ferramentas. Creio que peças com muito movimento e muitos atores em cena não funcionam bem nesse formato, mas como eu estou sozinho em cena e é preciso somente uma ou duas câmeras para a filmagem, a dinâmica funciona super bem. Creio que chegou para ficar, mas o meu desejo é fazer sempre presencial (é onde o teatro acontece porque tem a presença do público que dá o feedback e constrói e reconstrói o espetáculo com a sua energia).
NR - Qual o papel do teatro na sua vida?
GB - Como te falei, vivi alguns anos como ator, e quando se é jovem dá para se viver com qualquer salário. Aí me casei, comecei a trabalhar como gestor e quando algum diretor me chamava para atuar, como Domingos de Oliveira, por exemplo, não tinha como dizer não. Como qualquer pessoa, ao me aposentar, comecei a pensar no meu futuro e decidi produzir e ser feliz. Depois que a pandemia arrefeceu um pouco, no segundo semestre de 2021, apresentei Riobaldo no Rio, na Casa de Cultura Laura Alvim, na Cidade das Artes e no Teatro Gláucio Gil, e consegui manter a equipe técnica e ganhar um dinheirinho. O teatro é a minha vida, onde eu quero ganhar dinheiro e ser feliz. Quero fazer teatro, cinema, TV. Eu quero viver como ATOR. Estou muito feliz com a temporada no Sergio Cardoso.
FICHA TÉCNICA
A partir do livro Grande Sertão: Veredas, de João Guimarães Rosa
Adaptação e atuação: Gilson de Barros
Direção: Amir Haddad
Cenário e figurinos: Karlla de Luca
Iluminação: Aurélio de Simoni
Programação visual: Guilherme Rocha e Mikey Vieira
Fotos e vídeos: Renato Mangolin
Técnicos: Carlos Henrique Pereira / Mikey Vieira
Produção: Barros Produções Artísticas Ltda.
Mídias Sociais: Fernanda Nicolis
Assessoria de imprensa: Júlio Luz (Rio) e Adriana Monteiro em São Paulo
Serviço:
Riobaldo
Local: Teatro Sérgio Cardoso – Sala Paschoal Carlos Magno (Rua Rui Barbosa, 153 - Bela Vista)
Temporada: De 11 de março a 10 de abril, sexta a domingo, às 19h.
Ingressos: R$ 40,00 (inteira) e R$ 20,00 (meia entrada)
Compras pelo site https://site.bileto.sympla.com.br/teatrosergiocardoso/
Duração: 65 min
Classificação indicativa: 16 anos
Capacidade: 144 lugares
SOBRE GILSON DE BARROS
Participou como ator de mais de 25 peças. Algumas: Bolo de Carne, de Pedro Emanuel e direção de Yuri Cruschevsk; Murro em Ponta de Faca, texto e direção de Augusto Boal; Ópera Turandot, com direção de Amir Haddad; Os Melhores Anos de Nossas Vidas, texto e direção de Domingos de Oliveira; Da Lapinha ao Pastoril, texto e direção de Luís Mendonça; A Tempestade, de Shakespeare, direção de Paulo Reis e O Boca do Inferno, texto de Adailton Medeiros e direção de Licurgo. Ganhou ainda o prêmio de Melhor Ator no Festival Inter-regional de Teatro do Rio – 1982 e prêmio de Melhor Ator do Festival de Teatro – SATED/RJ – 1980.
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