Marco Antonio Pâmio está em cartaz com Repertório Shakespeare, que faz sua segunda temporada em São Paulo; Playground, que assinou a direção, esteve em cartaz no Viga e Assim é (se lhe parece) também estará viajando, outra direção de reconhecida qualidade.
Entre 14 a 31 de julho no Centro Cultural Banco do Brasil estreia Noites sem fim, mas uma direção do ator e diretor. No palco estão as atrizes Angela Figueiredo e Fernanda Cunha.
O texto, da inglesa Chloë Moss, coloca em evidência mulheres à margem da sociedade, solitárias, que expõem os seus sentimentos, os seus amores e desamores.
Angela Figueiredo e Fernanda Cunha mergulham juntas pela segunda vez numa obra que fala do universo feminino. O primeiro trabalho foi o espetáculo As Moças: O Último Beijo, de Isabel Câmara e direção de André Garolli.
Foi Fernanda quem recebeu a indicação do texto (no original This Wide Night) do Dan Stulbach, que assistiu uma montagem do texto em Nova York, em 2010.
Em cena estão Marie e Lorraine ex presidiárias que se conheceram quando ainda estavam encarceiradas.
Lorraine é uma cinquentona que cometeu um crime grave. Assim que sai da prisão, ela vai ao encontro de Marie, trinta anos, que saiu há mais tempo e foi presa devido a um crime mais brando.
As perspectivas de futuro não são boas e a relação entre as personagens se torna cada vez mais profunda. Elas tiveram um contato muito profundo na prisão e fazem de tudo para que a cumplicidade seja mantida. Tentam recomeçar a vida e expões as dificuldades para a reintegração na sociedade.
A peça é ficção, mas a história é baseada na experiência que Chloë Moss teve durante uma residência que realizou no Presídio Cookham Wood, na Inglaterra. As personagens são baseadas na vida das detentas que conheceu durante as suas pesquisas (ela passou três meses convivendo com as presidiárias).
Vale a pena ler a fala de Marco Antônio Pâmio sobre Noites Sem Fim
¨Vejo Noites Sem Fim como a transposição de um relacionamento entre duas mulheres, criado artificialmente num microcosmo - uma cela de cadeia - para um macrocosmo - o mundo. Isso acaba implicando numa transformação desse relacionamento a partir da liberdade que o mundo dá a elas.
As duas provavelmente nunca teriam se conhecido fora da prisão e pouco têm em comum, a não ser a origem humilde. Mas a força do que houve antes é tão grande que elas se obrigam a reproduzir a amizade e parceria estabelecida entre elas, apesar dos prejuízos e incômodos pessoais que isso possa lhes trazer.
Como resultado, embora estejam usufruindo de um universo maior, voltam a se enclausurar num espaço claustrofóbico. Ou seja, dentro de uma possibilidade de abrir seus horizontes, elas optam por voltar a viver aquela antiga situação criada artificialmente. O mundo natural não consegue destruir as amarras daquilo que foi construído no mundo artificial. O que tinha importância antes num ambiente controlado se modifica e se deteriora rapidamente ao ser exposto à realidade descontrolada da vida.
A cela da cadeia se transporta para dentro de um apartamento quitinete. Porém, embora sejam as mesmas duas pessoas confinadas dentro do mesmo pequeno espaço, a atmosfera é completamente diferente, pois elas sofrem as influências dos projetos de vida (fracassados em ambos os casos) a que cada uma havia se proposto.
O que se modifica então, ao se sair de uma cela para outra? O relacionamento entre elas se aprofunda, se intensifica e se transforma a partir do contato com a liberdade e com pessoas e histórias do passado de cada uma.
Na encenação procurei fundir essas duas clausuras possibilitando aglutinar as duas experiências de forma mais contundente. Dentro dessa opção cênica, a cenografia sugere ambos os ambientes, as sonoridades remetem ao presente e aos fantasmas do passado, o desenho de luz complementa a atmosfera claustrofóbica.
E, acima de tudo, a montagem se apoia no trabalho das atrizes, que devem reforçar o caráter dicotômico das duas personagens. O ponto de partida foi a verticalização dos conteúdos do texto, posteriormente sintonizada com o trabalho de corpo e voz. Pretendo que Marie expresse toda a frustração da juventude perdida com más companhias e maus propósitos. Lorraine, por sua vez, tem que atingir o equilíbrio dramático de uma mãe amorosa que também é uma assassina.
Noites Sem Fim pretende, através da exposição das tensões sociais e, sobretudo humanas, mostrar a ferida aberta que se produz ao se retirar o indivíduo do cárcere e jogá-lo na prisão da vida¨.
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