Muitas pessoas perguntam porque um mesmo texto é montado tantas vezes, qual a graça disso?
Um texto quando é bom não pode ser guardado numa prateleira. Ele tem que ganhar os palcos para não ser esquecido e para as novas gerações conhecerem as grandes obras da dramaturgia mundial.
Esperando Godot, de Samuel Beckett, é um desses textos que encantam os artistas e, claro, os espectadores, pois as recentes montagens conseguiram uma excelente receptividade do público. Entre as produções, Esperando Godot, com direção de Leo Stefanini , acabou temporadas de sucesso no Sérgio Cardoso e Faap. Faz dez anos que Gabriel Villela estreou também uma ótima versão desse clássico do teatro mundial, com produção de Claudio Fontana.
Cada diretor e ator imprime nessa obra a sua visão sobre a arte e a vida e contribuem para que as reflexões que ela propõe continuem pulsando na mente das pessoas que vão ao teatro.
Esperando Godot continua atual, fala de assuntos pertinentes à estagnação do homem, o vazio da existência, a impossibilidade ( ou a dificuldade) de mudanças. O mundo está complicado; esperar e sonhar é algo rotineiro. Esperamos que o mundo melhore; esperamos que o outro resolva os problemas, quando nós mesmos temos as ferramentas para solucioná-los em nossas mãos... Por outro lado, a vida anda tão corrida, o individualismo tão presente, que esperar é um suplício. Em alguns momentos, esperar é essencial, em outras situações, só conseguiremos algo se agirmos.
Caso alguém não conheça a obra,escrita no pós-guerra (1943-1953),em cena estão dois vagabundos, Estragon e Vladimir, que esperam um sujeito de nome Godot. Nada é dito sobre ele, se virá mesmo, ou não; pode ser que ele nem exista, pode ser uma pessoa da imaginação dos protagonistas.
Eles estão num lugar deserto e iniciam longos diálogos (muitas vezes repetivos) para passar o tempo. A conversa é interrompida com a entrada de Pozzo e Lucky (respectivamente senhor e escravo) e de um menino que avisa que Godot virá no dia seguinte. Eles esperam e nada acontece.
No dia 9 de setembro, mais uma montagem baseada na peça de Becckett estreia em São Paulo. Elias atua (interpreta Estragon) e assina a direção. Claudio Fontana é seu companheiro de cena, como Vladimir. Completam o elenco: Clovys Torres (Lucky), Raphael Gama (Pozzo) e Guilherme Bueno (o menino).
A equipe toda é pra lá de especial porque são artistas experientes e de talento reconhecido nas artes cênicas: Gabriel Villela assina o figurino; Fábio Namatame é o cenógrafo; a direção de movimentos é da atriz Melissa Vettore, que Elias dirigiu em Isadora e Camille e Rodin; a Trilha Sonora é de Jonatan Harold, que sempre trabalha com o ator e diretor; a iluminação é de Wagner Freire; o diretor assistente André Acioli também é parceiro em inúmeros trabalhos nos últimos anos. Daise Amaral é produtora, idealizadora do projeto e também está na equipe de criação do espetáculo, como assistente de direção.
Esperando Godot marca mais um encontro entre Elias Andreato e Claudio Fontana, grandes artistas. Os atores, que são os protagonistas, têm uma parceria frutífera desde Adivinhe quem vem para Rezar, de Dib Carneiro Neto, quando Fontana estava em cena com Paulo Autran, e Andreato assinou a direção. Depois veio Andaime, direção de Andreato, onde os dois atores atuaram; Mãe é Karma, texto de Andreato com produção de Fontana, Amigas Pero No Mucho , de Célia Forte e direção de José Possi Neto (dividiram mais uma vez o palco), Édipo Rei, direção do Andreato e finalmente Um Réquiem Para Antonio, de Dib Carneiro Neto e direção de Gabriel Villela, época em que a ideia de Godot começou a nascer.
¨Foi nos camarins de "Réquiem" que "encontramos Godot", comenta Fontana, “Minha parceria com Elias Andreato nasceu da profunda admiração de um ator pelo trabalho de outro e cresceu pelo meu respeito ao respeito dele pelo teatro. Elias sabe o que é o ofício de ser ator. E como diretor empresta a sensibilidade do ator e intuitivamente cria cenas belas e poéticas¨, elogia.
Elias Andreato conta que nunca pensou em montar Godot, apesar de já ter usado trechos em alguns espetáculos. “Acho que por ignorância, eu achava que não tinha a ver comigo, a peça toda eu achava que não tinha cacife para fazer, mas no camarim de Réquiém Para Antônio, peça de Dib Carneiro Neto, dirigida pelo Gabriel Villela, também em cartaz no Tucarena em 2014, eu perguntei para o Claudio Fontana, meu parceiro em cena, se ele tinha o desejo de montar algum texto e ele disse que queria montar Godot, então eu disse que daria essa montagem de presente para ele, pelo seu talento, generosidade, pelo seu amor ao teatro e pela forma como ele valoriza os talentos dos outros.”, conta o ator e diretor.
Coincidentemente, a atriz e produtora Daise Amaral carregava o sonho de montar esse texto e foi Fontana quem chamou o amigo e parceiro para integrar o projeto. “Produzir um texto como Esperando Godot, na velocidade do mundo hoje, onde a ESPERA é a protagonista, é um grande desafio.”, comenta Daise.
A direção está focada no tempo, no aceleramento das horas da existência contemporânea , que está mergulhada numa espera mais angustiante do que no período em que Beckett criou a peça (período pós guerra).
Nesse trabalho, Andreato ressalta a individualidade reinante nos dias de hoje e nas suas palavras: ¨ a relação com o tempo era outra, hoje o tempo mudou, a espera é mais angustiante, vivemos em um tempo violento, as guerras são outras, tudo mais diluído, cada um batalhando no seu mundinho, não existe uma sensação coletiva, cada um tem o seu tempo individual de espera , porque você não sabe se o Godot já veio ou não, talvez ele tenha vindo e nem tenham percebido”, diz.
Cenário e figurino reforçam essa ideia. O cenário de Namatame representa uma grande engrenagem de relógio, enquanto Gabriel Villela criou um figurino que procura retratar o universo interno dos personagens. Vale a pena prestar atenção nos detalhes das vestimentas, sempre um diferencial nas criações de Gabriel quando exerce a função de figurinista.
A trilha sonora merece destaque: Claudio Fontana canta ao vivo poemas de Samuel Beckett musicados por Jonathan Harold.
|