Natalia Gonsales não para. Além de estar em cartaz com Fala Comigo Antes da Bomba Cair, no Eva Herz, acabou de fazer o infantil O Livro de Tatiana, reestreia o monólogo inspirado em diário da escritora e filósofa francesa Simone Weil, que era operária e registrou o difícil cotidiano dentro das fábricas.
As pesquisas publicadas por Eclea Bosi (“Simone Weil - A condição operária e outros estudos sobre a opressão”) também foram usadas para a criação do espetáculo, que foi adaptado para o teatro pelo dramaturgo, diretor, coordenador do Núcleo de Dramaturgia do SESI, César Baptista.
Segundo Natalia, a peça mostra a dura realidade que a escritora registrou nos seus diários: ¨ a fome, o calor do forno, as labaredas, o barulho terrível da caldeiraria, os acidentes, as doenças, as ordens, o medo, o ritmo crescente do trabalho, o esgotamento, o envelhecimento, a infelicidade, o emburramento¨, num cotidiano onde a ordem é imposta pela força, numa realidade onde é proibida a luta pelos direitos trabalhistas.
O cenário criado por Flávio Tolezani leva para o palco máquinas de linha de produção. Luz e trilha também são inspirados no ambiente de uma fábrica: A trilha, de Daniel Maia, além de canções inspiradas nos sons das fábricas, é composta por ruídos das correias e barulhos de macetadas. A luz, de Igor Sane, traz para a cena a insalubridade do ambiente de trabalho.
Vale a pena reproduzir a fala de Natalia sobre A ÚLTIMA DANÇA :
¨Dedico este espetáculo ao meu irmão Marco Antonio Gonsales. Um homem de coragem, capaz de seguir caminhos diferentes da grande massa, capaz de “GRITAR” e de aguentar o barulho provocado, capaz de catar os cacos de vidro que estouram para colar novamente.
E na arte? Quando optamos por ela, não estamos seguindo um caminho diferente? Acredito que a resposta deveria ser sim, porém nem sempre é. O homem, o artista deveria ter o sentimento da apropriação: “Nada mais forte para o homem que a necessidade de se apropriar pelo pensamento. Uma cozinheira diz: minha cozinha.” Palavras de Simone Weil. E um ator? Não deveria se apropriar do espaço, ou seja, do teatro? Porém, muitas vezes somos vistos apenas como uma unidade de força de trabalho, sem voz e que esta ali apenas para executar: “Cale-se. Você é apenas uma atriz.”
Porém, nessa minha pequena trajetória artística, me senti muitas vezes calada, onde o pensamento morre, o corpo se curva ao poder, ao dinheiro e principalmente ao sistema. Acredito que somos educados a esperar, receber ordens, calar, executar. Aguentar tudo em silêncio. Mas se escolhemos viver não podemos ter medo do grito. Nesse caso, o que diferencia um artista de um operário que não sabe o que produz, logo não tem o sentimento de ter produzido algo? E os outros? Que não necessariamente são artistas ou operários/trabalhadores, mas que se curvam aos valores impostos pela sociedade capazes de levar ao aprisionamento e a cegueira.
E assim, o calar me conduziu ao grito. Um grito parecido com o grito do meu irmão. E desse encontro, fui presenteada por ele com os relatos da Filósofa Simone Weil. Relatos dela nas fábricas, quando essa mulher abdicou de uma vida farta para viver entre os operários. E através da experiência ela vivenciou uma realidade dura e aceitou as marcas da escravidão
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